Hoje, nas mídias, multiplicam-se as orientações para proteção contra o Covid-19. Com elas, o alerta: “previna-se para não fazer parte da estatística dos infectados pelo vírus”. Só que, para os que têm mais de sessenta, este alerta é duplo, vem acompanhado da recomendação de que os cuidados precisam ser redobrados. A justificativa apresentada para tal é a vulnerabilidade dessa faixa etária.
Mas, por que, quando as li, mesmo reconhecendo sua legitimidade, senti um certo incômodo? Algo que não sabia explicar na hora. E que, no entanto, ficou claro quando a seguinte mensagem chegou ao meu Zap: “Quando a gente pensa que chegou a melhor idade, o mundo dá uma guinada e a gente vira grupo de risco”. Uma luzinha se acendeu e o que era uma sensação, passou a ser uma certeza. Então me perguntei “E agora José”? Que José o quê. O certo é “E agora Regina”?
Senti um frio na barriga. Eu acabei de escrever sobre a importância de se pensar o envelhecimento como um futuro promissor. A minha inspiração foi a campanha da Nestlé, que visa transmitir a mesma mensagem com a seguinte pergunta: “O que você quer ser quando envelhecer?” Apesar dos medos, das inseguranças, minha intenção era trilhar um caminho diferente daquele dos meus avós. Credenciada, que estou, pelas descobertas da ciência, da tecnologia, que me possibilitam viver mais e melhor.
E, aí, vem um vírus, que ninguém sabe quem é, e me coloca num grupo de risco. E as respostas, que formulei para a pergunta? Perderam o sentido?
Aliás, foram muitas as respostas. Mas, a minha preocupação era com a que considerei mais importante – garantir minha independência. Está ela, agora, definitivamente comprometida? Uma pandemia me alça à condição de pessoa de risco e me leva de volta para casa. Decidir o que posso fazer e quando, ficou restrito a quatro paredes. Circular por aí, nem pensar. Agora, dependo do vizinho do lado, que vai à televisão e diz que se dispõe a ajudar os “vovozinhos”, que não podem sair de casa.
Posso dormir com um barulho desse?
Pensar que fui alçada à condição de avó, me dá um arrepio. Nada contra ser avó, mas é que não sou avó. Sou tia. E se fosse, não gostaria de ser uma “vovó gagá” como esse vizinho me fez parecer. Ah! Isso, eu não aguento. Até esqueço de agradecer o favor. Não bastava a pessoa dizer que estava ajudando um morador em quarentena, sem condições de sair de casa?
Será que vamos poder continuar saindo? Para frequentar nossos bares e restaurantes preferidos? Encontrar os amigos e jogar aquela conversa fora? Será que, ao sair, além das regras dirigidas a todos, vamos ter que nos submeter a um protocolo, só a nós destinado? E, pior ainda, aguentar os olhares e murmúrios “Humm… porque não ficam em casa?”
E viajar?
Vou poder continuar rodando o mundo? Trabalhei muito, cuidei da saúde, tudo para que isso fosse possível. E me vejo, agora, num beco sem saída. Vou ter que me contentar com o turismo online. Visitas a museus, idas a teatros, aos pubs da moda, só dando um click. Aeroporto, só para ver, como na infância, os aviões subirem e descerem.
Não pensem que sou uma pessoa alienada, por dizer tudo o que disse. Tenho consciência de que, mesmo com os avanços da ciência no campo do envelhecimento, doenças próprias da idade podem me acometer. E vou, sim, necessitar de ajuda e de me submeter a regras que não previa. Aceito sem problemas essas medidas, como deixei claro acima. Elas são de proteção e isso é bom. Mas, clara, também, foi minha intenção de falar sobre meu incômodo. Sobre os significados e atitudes provocados por essas medidas para além da proteção que elas pretendem. E pensar me levou às indagações e situações descritas acima.
E agora?
E aí, eu de novo, me interrogando: E agora Regina? E o futuro? Como será? Como saber o que fazer? O que sentir? Será que vou ter que fazer, como no enredo da escola de samba*, consultar os búzios, a bola de cristal, pedir a cartomante que leia a minha sorte? E ficar tranquila, pois vão me responder que serei feliz?
E vocês, com mais de sessenta, ou até com menos, o que pensam a respeito?
Em todo caso, vou até o Google pesquisar e ver se obtenho alguma resposta. Volto logo mais para a gente conversar. By, by…
Links que consultei:
*1 – E agora José? de Carlos Drumond de Andrade – Vídeo com declamação do poema na voz do poeta
Mas, se você pretende entender melhor o poema, eis aqui o texto completo, acompanhado de uma análise.
* 2 – Canção “O que será o amanhã?” – Samba enredo da G.R.E.S. União da Ilha do Governador – 1978 – Compositor: João Sérgio – Intérprete: Aroldo Melodia. Gravada pela cantora Simone. Assista o vídeo.
Caso queira conhecer a letra completa, clique aqui
Eu não senti esse peso das restrições serem, a princípio, maiores pra nossa faixa etária porque antes mesmo de tornarem elas obrigatórias, pra todos inclusive, decidi adota-las, tanto o uso de máscara como o confinamento, achei que era o certo a fazer. Só teve uma situação que me deixou constrangida, a suspensão do uso do cartão de transporte sênior pq muitos idosos não queriam de saber de ficar em casa, rs.
Inês
Concordo que, em principio, as medidas de proteção são dirigidas a todos. E ,também, penso ser legítima a preocupação maior com os idosos nessa ação de prevenção contra Covid 19. Afirmações que constam do meu texto. A dificuldade, para mim, foi aceitar a forma utilizada para conscientizar essa população.. Por duas razões. Primeiro, pela adoção da terminologia – grupo de risco. Tenho a impressão deque recebi um carimbo. Será que havia necessidade de usar essa denominação? Afinal, todas as pessoas correm risco de se contaminar. Não bastaria esclarecer que, nos idosos, ele era maior? A outra razão, é o conceito, que se passa, ao tomar medidas, como a que você citou, a suspensão do cartão de transporte sênior. Ou seja, o de que pessoas idosas, na sua maioria, são frágeis, desprovidas da capacidade de pensar e de gerenciar a própria vida Pretendo voltar a este assunto – a volta de velhas formas de se ver o envelhecimento – num próximo texto, Só que de forma mais profunda. Me aguarde.
Adorei a reflexão e ela é pertinente pra todas idades, e talvez seja esse o “objetivo “ desse vírus, fazer a gente refletir e prestar atenção as coisas que realmente nos são importantes e nos fazem falta.
Adorei a delicadeza do blog e desejo muito sucesso.
Katy
Obrigada por suas palavras. Fico feliz com a sua participação. Você foi capaz de captar, com precisão, os objetivos do blog e uma das principais mensagens que busco transmitir com este espaço: a necessidade de se refletir sobre o que queremos ser e como queremos viver. Meu foco são as pessoas com mais de sessenta anos. Mas, penso que essa reflexão pode e deve ser feita em qualquer fase da vida;. Só, assim, passaremos por cada uma delas de forma natural, sem espantos..