Aqui estou eu, entrando nos 70. Eu não pensava chegar nele tão rapidamente. Desta vez, contudo, não fui pega de surpresa, como nos cinquenta e nos sessenta. Eu já o estava na espreita. Havia algum tempo que vinha me perguntando o que ia te dizer quando chegasse.
As ideias foram clareando devagar. Não foi assim, de repente. As coisas começaram por volta dos 66 ou 67 anos. Dei uma parada para relaxar. E vi você – minha nova década – se aproximando. Eu estava feliz, leve e solta na vida. Por que antecipar uma conversa, que poderia deixar para mais tarde?
Nada a ver com arrependimentos. Do fim dos meus cinquenta anos até meados dos sessenta, fiz quase tudo que almejei. Quando me aposentei disse para mim: agora vou me divertir. E lá fui eu. Viajei por várias partes do mundo, sem horário para voltar. Vagabundeei pelos shoppings, vi todos os filmes que queria ver. Tomei muitos cafés com os amigos, no meio da tarde. Naqueles dias da semana, em que só os que podem cometer esse pecado, o fazem.
Desviando das pedras no caminho
Então quer saber por que mudei de rumo? Se estava me divertindo, como afirmei, qual a razão da mudança? Bem, a resposta não é tão simples. Mas, vamos lá. São aquelas pedras que insistem em bloquear os nossos caminhos. Aquelas que nos machucam, mesmo quando estamos felizes, pois apenas as contornamos. E nunca a retiramos em definitivo.
O medo da velhice era uma delas. Já falei sobre isso. Mas, havia outros medos, outros sentimentos que, algumas vezes, voltavam. E o que era para ser felicidade, convertia-se no oposto. Virava tristeza, aborrecimento.
Um exemplo foram algumas das minhas viagens. Claro que não todas elas. Lá ia eu gastar o dinheiro que havia guardado para isso. Arrumava a mala, pensando nos lugares que ia passar, nas fotos que ia tirar, nas histórias que iria contar, quando voltasse. E quando voltava não tinha ânimo para nada. Nada de organizar fotos, rever momentos. Nem queria falar no assunto.
Ah!… as pedras da minha vida. Se eu ia viajar com outras pessoas e, durante a viagem, algo me incomodava, por que não falava a respeito? Porque não cobrava, quando o que havia sido combinado, e que me fizera aceitar a viagem, fora simplesmente descumprido. Por que engolia tantos sapos? Ou deixava para me manifestar, quando estava com a cabeça fervendo? Ou quando já não era mais tempo de falar sobre.
A travessia do tempo
Tive tantas chances para resolver tudo, mas deixei para lá. Como diz Fernando Teixeira de Andrade*: “Agora, o tempo está diminuindo. É tempo de abandonar roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo. E esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares”.
A morte da minha mãe e de duas amigas com quem convivi e morei no meu inicio em Brasília, me fez ter a compreensão exata do que o poeta escreveu. Tenho que fazer a travessia da minha vida antiga para uma atual, onde eu seja mais leve, e o contentamento com ela venha de dentro. E reflita no que eu resolver viver aqui fora. Se não fizer isso, terei ficado à margem de mim mesma (plagiando o poeta).
Mesmo, porque, você, leitor, vai deixar de ler os meus textos e dizer: “Ela fala só de problemas, de medos. Afirma que vai mudar; viver simplesmente. E a história… só se repete”.
Então, setenta, pode vir. Estamos conversados. Se prepare, lá vamos nós. Aliás, eu já tomei minhas providências para essa mudança. Mas, não pense que vai ser, assim, num passe de mágica. Ou que, por causa disso, vamos ter todo tempo do mundo. O tempo urge para a gente, ele está cada vez menor. Mas, nada de desespero. A gente vai mudando. E a cada mudança, comemorando a vida. Pois, na vida o que importa não é o que obtemos ao final do caminho, mas o próprio caminho.
Estamos de acordo?
Fontes de Pesquisa:
1 – Além da minha própria vida, eis os poemas que me serviram de inspiração para conversar com os meus setenta anos:
a) *Há Algum Tempo – de Fernando Teixeira de Andrade: Poema que me inspirou a escrever o texto acima. Veja aqui.
OBS: neste link, há uma nota esclarecendo que a autoria vem sendo erroneamente atribuída a Fernando Pessoa.
b) “O Tempo e as Jaboticabas”
OBS 1: encontrei esta crônica na página oficial de Rubens Alves no Facebook. Além dela, consultei outros sites, sendo que a maior parte atribui a autoria a ele, com o título acima. Veja aqui.
OBS 2: Contudo, dois sites (“O Pensador” e “Ultimato” – Editora Ultimato) referem-se à crônica como sendo de Ricardo Gondim ( neste último, há uma explicação do próprio Gondim afirmando que o texto é seu, e que o título correto é o “Tempo que Foge”, publicado no seu livro “Creio, mas tenho dúvidas”.
c) “Seiscentos e sessenta e seis” – Mário Quintana (O próprio poeta declama o poema). Veja aqui.
d) “Por muito tempo” – Henfi. Veja aqui.
2 – Um site de última hora – Quando já havia escrito meu texto, achei, no Blog “Vagabundagem”, cujo link disponibilizo abaixo. Um texto interessante. Trata-se de um jovem de 27 anos, que pensa sobre seus setenta anos e resolve escrever uma carta. Veja aqui.
Leia também: Tempo, tempo, tempo…
É engraçado como lendo seu texto, percebi que a gente se acostuma a achar que a infância e a adolescência são as fases de mais intensidade nas nossas vidas, né,? E o envelhecimento tem nos obrigado a reflexões muito intensas e poderosas como as suas, Regina. Mesmo assim, é como você diz: “nada de desespero “, pq parece que o Sr. Tempo corre mais depressa assim, rs.
Regina, acho que todas as fases de nossa vida nos impactam e vão costurando a nossa história de vida. Importante vivê-las com intensamente e leveza ao mesmo tempo. Sendo gentil consigo mesmo. Então, seja bem-vinda aos 70! De sua amiga que já está com 78. Caminhe no seu ritmo. Suavemente 🥰❤️🙏🤝