Covid-19, pandemia, medidas de proteção… E agora? (2ª parte)

 

Em busca da minha resposta, olho pela janela. Nada de cartomante, da mulher dos búzios, do adivinho ou da bola de cristal. Nem mesmo o senhor do realejo, que passa por aqui todos os dias, apareceu. Todos de quarentena.

Pelo visto, não vou saber se vou ser feliz ou não.

Mas, vamos lá que o assunto é sério. Quis saber se realmente as campanhas, para além do sentido da proteção, podiam gerar outro, o do preconceito contra as pessoas idosas.

E também responder a outras questões como: Será que o preconceito continuará pós Pandemia? Ele irá comprometer a visão mais positiva do envelhecimento, conquistada com os avanços da ciência, que nos permitiram viver mais e melhor?

Palhaço dos memes

Com tantas indagações, fui verificar quem vinha falando/escrevendo sobre o assunto e o quê. E olha o que o ¨Dr. Google¨ me mostrou:

A primeira leitura que fiz foi o artigo da jornalista Janaína Garcia, escrito para o Canal Uol – Viver Bem, publicado em 26/03/2020, intitulado “Preconceito em tempos de Coronavírus: Idoso virou palhaço dos memes”. Ela inicia o texto com uma pergunta: “Quem não recebeu um meme, uma tuitada ou um comentário malicioso?”, criados  a partir das recomendações para idosos veiculadas nas campanhas.

Ao questionar seus leitores, ela traz à tona uma incontestável realidade, a de que os memes estão acontecendo. Tidos inicialmente como piadas, mero humor, sem maiores consequências, deixam de ter esse sentido – segundo a autora – quando vão se tornando verdades na cabeça da população, que acredita que só idosos correm o risco de serem contaminados. E que, se eles ficarem em casa, a doença poderá ser controlada.

E frente a essas “verdades”, qualquer argumento se torna sem efeito, principalmente quando reforçadas, o tempo todo, pelos meios de comunicação e pela mídia digital.

A jornalista, ao abordar o assunto, não está negando o objetivo primeiro das campanhas – o de proteger. Mas, sim, que essas, ao classificarem as pessoas idosas como Grupo de Risco, abrem espaço para o preconceito, pelo motivo já citado e por fazerem acreditar que pessoas idosas são frágeis, não sabem se cuidar e tomar decisões frente a doença. E, finalmente, de que precisam ser protegidas, como crianças, e não somente ajudadas, quando isso se fizer necessário.

Essa crença, de que só idosos correm risco e precisam de proteção, levam pessoas de outras faixas etárias (principalmente os mais jovens) a pensarem que não precisam se cuidar ou evitar aglomerações, justificando seus cuidados excessivos com os mais velhos e a necessidade de não deixá-los sair de casa. Ou seja, cuidam de seus pais, de parentes idosos, mas não cuidam de si próprios.

Não raro, levam seus cuidados às últimas consequências, não deixando o idoso fazer absolutamente nada. E, quando ele reclama, o chamam de teimoso. Mas, se esquecem de que essa população com mais de sessenta anos, que agora está isolada, antes era independente, cuidava da própria vida.

O fato é que a não aceitação da população mais velha ao isolamento e às novas regras impostas pode gerar outro tipo de preconceito, o de que pessoas idosas são teimosas. Esse foi um alerta feito à jornalista Janaína Garcia, por Jorge Félix, professor do curso de Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo) – que escreveu um livro sobre envelhecimento na atualidade, chamado “Economia da Longevidade”.

Durante a conversa, ele ressalta o fato de que a reação do idoso ao isolamento é tratada como pura teimosia já durante a Pandemia. E demonstra isso fazendo a seguinte pergunta: “Quantas vezes você gargalhou quando essas aparentes piadinhas caçoavam da “teimosia” dos idosos em cumprir as restrições?” Brincadeira? De tanto rir da piada, acabamos acreditando no que ela transmite. E aí está instalado o preconceito.

Acontece que, mesmo sendo necessário, o confinamento causa no idoso a sensação de que perdeu sua autonomia e independência, conquistadas, nos últimos tempos, com os avanços na área da Ciência e da Gerontologia. Uma mudança dessas, tão brusca, é um desafio muito grande.

Velhofobia

Um dos maiores problemas do crescimento do preconceito, entre outros, é o sentimento negativo que vai crescendo nas pessoas em relação ao envelhecimento. Quem trata essa questão com muita propriedade é a escritora e antropóloga Miriam Goldenberg, que tem grande conhecimento e vivência sobre o tema – envelhecimento na atualidade.

Para ela, a forma de encarar o envelhecimento vai além dos tabus verificados no dia a dia, criados a partir de material postado nas redes sociais, em cima das campanhas contra a Covid 19. Ela traz consigo um medo enorme de envelhecer, o que ela denominou como “reação velhofóbica“, que é o pânico de envelhecer. Um pânico não só dos mais jovens, mas, especialmente, dos que estão envelhecendo (os que passaram dos 60 anos). Pessoas que chegam a negar o próprio envelhecimento, “frente à ideia, sempre reforçada, de que pessoas idosas são frágeis, incapazes de ter uma vida boa e que não têm mais utilidade para a sociedade”.

Será que estamos definitivamente de volta para casa?  De novo a pergunta: E agora Regina? E agora, vocês, pessoas com mais de 60?  Será que o que nos resta é cantar aquele refrão “O que será o amanhã? Como vai ser o meu destino?”

Bem, como não tenho bola de cristal… difícil responder. A única certeza que tenho é de que o retorno à vida de antes não será fácil. Eu mesma não sei como será minha primeira saída de casa rumo à rua.

A questão do preconceito pós Pandemia vai ter que ser enfrentada. Quer para não retornarmos a visões superadas sobre o envelhecimento, quer para se avançar para uma que nos liberte do medo de envelhecer e nos convença de que esse é um processo natural, um período da vida como outro qualquer, com seus pontos positivos e negativos.

Como avançar, então? Bem, esse é um assunto para muitos artigos. E penso que pessoas com maior conhecimento do que eu já estão escrevendo ou vão escrever a respeito. Eu encerro por aqui. A minha intenção foi, apenas, a de chamar a atenção das pessoas para a questão do preconceito durante e pós pandemia.

NOTA: A primeira parte deste artigo foi publicado  em 28 de junho de 2020, A segunda, deveria ter acontecido logo a seguir.  Contudo, no auge da Pandemia parei de escrever e só agora reativei o Blog. Claro que, hoje, as pessoas mudaram sua opinião e atitude em relação à Covid 19. Já não acreditam que apenas pessoas idosas sejam contaminadas. Contudo, o preconceito ainda existe.

Fontes de consulta:

1 – Artigo Artigo  – “Preconceito em tempos de coronavírus: Idoso virou palhaço dos memes” – escrito por Janaina Garcia e publicado 26/03/2020, no Canal Viva Bem, da UOL – veja aqui

2 – “Pandemia de coronavírus evidencia ‘velhofobia’ no Brasil”, entrevista dada pela antropóloga Miriam Goldenberg à BBC News Brasil, em 20 de maio de 2020 – veja aqui

One comment

  1. Olá Regina.
    Realmente, o isolamento para as pessoas idosas foi mais severo que para as outras idades. Não sei se por medo dos familiares ou pelo preconceito de que as pessoas mais velhas não têm condições de aplicar os cuidados necessários. Vi várias famílias deixando seus idosos em verdadeiras prisões domiciliares, evitando até que saíssem para as compras básicas ou para arejar um pouco, mesmo que tomando os devidos cuidados. Isso foi motivo de depressão em vários deles, outra coisa que as famílias consideram normal em pessoas idosos.
    Seu artigo é bastante esclarecedor. Parabéns!

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